segunda-feira, 4 de maio de 2009

Pra não dizer que não falei das flores


Assistia a TV, quando anunciaram com todo o destaque bombástico e característico da parafernália televisiva, uma entrevista com uma personalidade do jornalismo contemporâneo. Tratava-se de um dos maiores âncoras do telejornalismo norte-americano. Não pestanejei, apanhei uma boa xícara de café e me propus a assistir.A jornalista entrevistadora não dispensou a oportunidade de demonstrar seu vasto repertório a um ilustre colega de trabalho e foi logo despejando questões delicadas como a paz mundial, o apartheid e as mazelas latino-americanas. Mal permitia que o entrevistado raciocinasse tranqüilamente e já lhe artodoava ao exigir fórmulas práticas sobre questões políticas, econômicas e sociais compreendidas não só ao país do pobre jornalista, mas, em relação ao mundo. O desgaste estampado no rosto do entrevistado era nítido, aquilo que deveria ser um agradável bate-papo sobre suas preferências, opiniões e trajetória profissional, tornara-se uma situação incômoda e infindável.As respostas ora longas e ditas com sorrisos e olhares atenciosos deixavam a cena para dar espaço a respostas curtas e despreocupadas com o vocabulário empregado. Isso sem falar, naquelas respostas que serviam de notórias e indiscretas deixas para a revelação da desagradável situação. Em uma dessas mesmas respostas, ultrapassada as barreiras do protocolo, o jornalista a desafiou: - Sabe o que eu mais gosto de fazer?Ela enrubesceu no mesmo instante. Como o entrevistado já domado e situado no seu estado de inércia, ideal para jornalistas do tipo “dominadores”, se atrevia a responder uma de minhas questões com uma outra indagação? E o pior sobre suas preferências cotidianas. Não, isso definitivamente era um desrespeito a categoria, pensava ela.Para não demonstrar aflição e desconforto, lançou uma tática infálivel:- Como disse?Ele não se intimidou.– Lhe perguntei se você sabe o que mais gosto de fazer.Não restando-lhe escapatórias, ela respondeu um tímido não.Como que tomado pelo ânimo inicial presente na entrevista, respondeu:- Adoro cuidar do meu jardim.Ela limitou-se a balançar a cabeça como num gesto de afirmação, próprio dos jornalistas, e se pôs a escutar sobre plantações de rosas, gramas e mudas de bromélias típicas no outono.Parece que finalmente pode perceber além do profissional, um ser-humano como outro qualquer. Com certeza, aprendeu muito mais quando se propôs a simplesmente escutar sua fonte.

Um comentário:

  1. Esse lindo texto me fez lembrar algo que li recentemente de um escritor argentino chamado Jorge Luis Borges.
    Ele dizia que todos o reconheciam por que seu nome estava estamapado em dicionários biográficos e em prêmios literários.
    Porém, ninguém sabia o verdadeiro Borges que ele era. Ou melhor, ninguém lembrava que por trás daquela aparência séria de velho escritor sábio, ele era um ser humano qualquer, com costumes normais, como por exemplo,caminhar por Buenos Aires, sentindo o cheiro dos saborosos cafés dos bares de sua linda cidade, comtemplando as flores do jardim de sua praça.
    Por trás do Borges famoso, havia um homem de carne e osso com as mesmas preferências e vontades que qualquer outro indivíduo.

    Enfim...
    Adorei o blog. Parabéns para as duas!

    ResponderExcluir